terça-feira, 30 de julho de 2013


Naquela noite não lhe escreveu. Na noite depois da noite ele estava diferente. Ele já não era ele para ela. E ela morreu um bocadinho. Ao início quase não se notava, mas depois começou a notar-se. Ela já não sorria para o telemóvel quando ele lhe escrevia, porque ele já não lhe escrevia da mesma forma, e ela começava a sentir a diferença. Arrependeu-se das palavras que dissera, mas o tempo não volta atrás. E enquanto o seu tempo chorava o dele estava ausente e os dois tempos deixaram de se guiar juntos, ou talvez de juntos nunca tivessem tido nada. Quando lhe perguntaram por ele ela engoliu as lágrimas. Quando pensou nele ela engoliu as lágrimas. E ainda não as deixou viver, ainda estão dentro dela, prontas a serem deixadas sair, como as palavras que ela começa a escrever mas que não consegue ler. E as músicas, as músicas custam a ouvir. Aquelas músicas com o nome dela que ele cantou num dia em que não havia estrelas. Nesse dia não fizeram diferença, as estrelas, mas hoje fazem, porque magoam, ferem as noites em que há estrelas e ferem as noites em que não há. Tudo fere, tudo queima, tudo custa. E ela teima em falar com ele, em continuar o que não tem continuação, só fim. Ela não quer perder a primeira paixão tão facilmente, ela não quer abandonar algo que nunca existiu mas que a agarra e chateia e irrita como uma pastilha presa à sola do sapato. Ela deixou-se de Chico Buarque e Beatles, ela quis deixar-se de Lobo Antunes e Vinicius, de uns conseguiu, de outros não. Espera um dia ver isso e não o ver a ele, ouvir, ler, sem o ter a ele em cada piscar de olhos, em cada linha, em cada nota. A capacidade que ele lhe tirou de escrever, voltou a dar-lha. A tristeza que lhe roubou da alma, voltou a dar-lha. A escuridão do olhar que lhe apaziguou, voltou a dar-lha. E tudo o que deixou de ser voltou, mas de uma forma diferente, tal como ela, que depois dele era uma pessoa diferente, uma pessoa que aprendera ser capaz de amar.