quinta-feira, 21 de novembro de 2013


-Meu filho, nas noites em que matavas a lua com os teus gritos cada respirar teu era para mim um sufoco… - ainda hoje te ouço a dizeres-me isso, Mãe. Ainda hoje te vejo sentada na poltrona, com a janela suja pelos meus dedos finos, dedos que sempre disseste serem de pianista. Desiludo-te, hoje esses mesmos dedos servem somente para segurar cigarros derrotados pelos dias, pelas noites, pela saudade.
Era tão quente o teu colo, Mãe, e eu sentia que te pertencia, no teu colo, no teu ser, na tua alma. Em tempos todo o meu mundo foi o teu seio quente, o seio quente de minha Mãe. Hoje não há quentura suficiente para me aquecer como tu me aquecias, e isso deixa-me cego, uma cegueira imensa de ti.
Houve um tempo em que todos lá em casa morríamos por ti, Mãe. Eu, sem o saber, cresci, cresci a sentir-te lavares-me o cabelo e o corpo com a água morna, água que cheirava a ti, água que crescia com as lágrimas que vertias enquanto puxavas as mangas da tua camisa para os cotovelos e me dizias para parar de te molhar.
Mas quando sorrias, Mãe, quando sorrias os dias cresciam, os dias viviam e nós dançávamos, dançávamos ao som do teu sorriso, do teu sorriso e do movimento do teu cabelo liso que nos acariciava a cara quando, antes de dormir, nos davas um beijo na testa e nos sussurravas sonhos ao ouvido.
Mãe, quem sou eu agora?
Mãe, preciso de ti aqui! Preciso-te no quotidiano de mim!
Mãe, volta por favor! Diz que me perdoas por ter partido todos os pratos na noite em que…na noite em que morreste. Como tu gostavas daqueles pratos, Mãe…
Não há qualquer doçura na ausência, na mais pura ausência de ti. Há somente um cansaço que me entorpece e me mata.
Sou um derrotado, Mãe. E hoje, quando me deito e fumo o último cigarro, sinto que sou novamente o teu menino, sinto que o tempo não passou e te levou. Fico, fico assim quieto, e por momentos sou dois, o eu sem ti e o eu contigo e por momentos sei que ainda me arrumas os caracóis que desapareceram, tal como tu.