Naquela noite não lhe
escreveu. Na noite depois da noite ele estava diferente. Ele já não era ele
para ela. E ela morreu um bocadinho. Ao início quase não se notava, mas depois
começou a notar-se. Ela já não sorria para o telemóvel quando ele lhe escrevia,
porque ele já não lhe escrevia da mesma forma, e ela começava a sentir a
diferença. Arrependeu-se das palavras que dissera, mas o tempo não volta atrás.
E enquanto o seu tempo chorava o dele estava ausente e os dois tempos deixaram
de se guiar juntos, ou talvez de juntos nunca tivessem tido nada. Quando lhe
perguntaram por ele ela engoliu as lágrimas. Quando pensou nele ela engoliu as
lágrimas. E ainda não as deixou viver, ainda estão dentro dela, prontas a serem
deixadas sair, como as palavras que ela começa a escrever mas que não consegue
ler. E as músicas, as músicas custam a ouvir. Aquelas músicas com o nome dela
que ele cantou num dia em que não havia estrelas. Nesse dia não fizeram
diferença, as estrelas, mas hoje fazem, porque magoam, ferem as noites em que
há estrelas e ferem as noites em que não há. Tudo fere, tudo queima, tudo
custa. E ela teima em falar com ele, em continuar o que não tem continuação, só
fim. Ela não quer perder a primeira paixão tão facilmente, ela não quer
abandonar algo que nunca existiu mas que a agarra e chateia e irrita como uma
pastilha presa à sola do sapato. Ela deixou-se de Chico Buarque e Beatles, ela
quis deixar-se de Lobo Antunes e Vinicius, de uns conseguiu, de outros não.
Espera um dia ver isso e não o ver a ele, ouvir, ler, sem o ter a ele em cada
piscar de olhos, em cada linha, em cada nota. A capacidade que ele lhe tirou de
escrever, voltou a dar-lha. A tristeza que lhe roubou da alma, voltou a
dar-lha. A escuridão do olhar que lhe apaziguou, voltou a dar-lha. E tudo o que
deixou de ser voltou, mas de uma forma diferente, tal como ela, que depois dele
era uma pessoa diferente, uma pessoa que aprendera ser capaz de amar.