-Meu filho,
nas noites em que matavas a lua com os teus gritos cada respirar teu era para
mim um sufoco… - ainda hoje te ouço a dizeres-me isso, Mãe. Ainda hoje te vejo
sentada na poltrona, com a janela suja pelos meus dedos finos, dedos que sempre
disseste serem de pianista. Desiludo-te, hoje esses mesmos dedos servem somente
para segurar cigarros derrotados pelos dias, pelas noites, pela saudade.
Era tão quente
o teu colo, Mãe, e eu sentia que te pertencia, no teu colo, no teu ser, na tua
alma. Em tempos todo o meu mundo foi o teu seio quente, o seio quente de minha
Mãe. Hoje não há quentura suficiente para me aquecer como tu me aquecias, e
isso deixa-me cego, uma cegueira imensa de ti.
Houve um tempo
em que todos lá em casa morríamos por ti, Mãe. Eu, sem o saber, cresci, cresci
a sentir-te lavares-me o cabelo e o corpo com a água morna, água que cheirava a
ti, água que crescia com as lágrimas que vertias enquanto puxavas as mangas da
tua camisa para os cotovelos e me dizias para parar de te molhar.
Mas quando
sorrias, Mãe, quando sorrias os dias cresciam, os dias viviam e nós dançávamos,
dançávamos ao som do teu sorriso, do teu sorriso e do movimento do teu cabelo
liso que nos acariciava a cara quando, antes de dormir, nos davas um beijo na
testa e nos sussurravas sonhos ao ouvido.
Mãe, quem sou
eu agora?
Mãe, preciso
de ti aqui! Preciso-te no quotidiano de mim!
Mãe, volta por
favor! Diz que me perdoas por ter partido todos os pratos na noite em que…na
noite em que morreste. Como tu gostavas daqueles pratos, Mãe…
Não há
qualquer doçura na ausência, na mais pura ausência de ti. Há somente um cansaço
que me entorpece e me mata.
Sou um
derrotado, Mãe. E hoje, quando me deito e fumo o último cigarro, sinto que sou
novamente o teu menino, sinto que o tempo não passou e te levou. Fico, fico
assim quieto, e por momentos sou dois, o eu sem ti e o eu contigo e por
momentos sei que ainda me arrumas os caracóis que desapareceram, tal como tu.